A estrada de cada um

Sexta-feira, 13 de julho, fui à estreia de On the Road (Na estrada), de Walter Salles, no Brasil, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional ali na boca da Av. Paulista. Me antecipei, fiquei ansiosa, comprei ingressos online com lugar marcado bem no meio da sala e convidei amigos com entusiasmo. Para além dos 55 anos decorridos desde o lançamento do livro de Jack Kerouac, em 1957, havia os meus de espera desde que o li pela primeira vez, em 2000, aos 18 anos. Ali peguei carona.

Minhas expectativas eram bem baixas. Não esperava chegar a parte alguma. Com todo o respeito e admiração que tenho por Salles e sua trajetória de filmes de estrada, ainda assim esperava pelo pior. Só que o pior não ocorreu. Nem o melhor. Simplesmente foi. E foi demais. Meu tio uma vez disse que no cinema francês os filmes não acabam, eles só param de passar. Assistimos a um fragmento de vida e pronto. Acabou o filme, mas aquela história continua fora das telas. Foi isso o que eu vi no cinema na sexta. Foi o que eu li no livro há mais de uma década.

E não é assim mesmo que ocorre na nossa vida? Momentos épicos, sem dúvida, permeiam o cotidiano, mas falta o final redentor com música incidental de cordas. A narrativa está sempre em construção até a hora em que cessa. O que dá pra fazer é contar um pedacinho numa coluna como essa, num livro, num diário de viagens, numa obra, numa carta. A vida sempre transborda, não cabe nas linhas, nas páginas e muito menos nas telas. E as obras de calibre são assim: quando falta algo, quando incomoda o buraco, é porque o autor acertou. Dá vontade de ler/ver de novo, ver se algo mais vai se revelar na segunda sentada. E sempre revela, mas nunca conclui.

On the Road corre como uma viagem, com altos e baixos que independem dos aclives e declives, e na maior parte do tempo segue a linha amarela no meio da pista: que não leva a parte alguma e é o único caminho. Cito Lewis Carroll: “If the destination is unknown, any road will take you there” ( Se desconhecemos o destino, qualquer estrada te leva a ele). Adiante, o livro vai. As páginas são passadas encadeadas por uma escrita solta e rítmica que pede cadência. Não há clímax, nem obstáculo definido a ser superado pelo herói. Há um sonho e uma pulsão, de vida e de morte. Como a batida à máquina de Kerouac e sua escrita sem respiro, é errático, de improviso e sem refrão, como o jazz.

Não ouso dizer que o filme de Walter Salles seja tão bom quanto o livro, e tampouco tenho peito para encarar a afirmação de que On the Road seja um livro para todos, universalmente incrível. Ele pode nem ser o melhor de Kerouac, mas é a porta. A primeira viagem. É lento e estranho, e cheio de entranhas na escrita. Li e reli seus livros, como também os de Ginsberg, Burroughs, Cassidy, Ferlinghetti e outros beats. Fiquei obcecada por um tempo. Queria ser parte da patota. Queria aquela liberdade, aquela vontade de viver, aquela sede de experiências e ausência de censura. Queria viver jazz, viajar a América, ler, amar, beber e fumar. Viver poesia.

Fecha o livro. Sobem os créditos. Os beats se foram e aquela estrada, para eles, também chegou ao fim.

Tive um professor durante o mestrado que uma vez disse em sala que se você começa um livro e não consegue ir adiante, ou é porque você não o merece ou porque ele não te merece.  Guardo essas palavras comigo, embora ache sempre muito difícil distinguir quem desmerece quem na hora do rala-e-rola. As viagens também são desta natureza: há quem viaje sem sair do lugar e quem nunca saia do lugar, mesmo percorrendo o mundo.

Eu e On the Road nos cativamos, nos merecemos, e a linha amarela que me guia no centro da pista leva a um destino desconhecido. Cada um tem a estrada que merece e a carona que te leva por ela. É só seguir.

1a edição paperback de On the Road publicada pela Viking Press em 1957

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