Siga a página das TijolAs, no Spotify, para acompanhar o lançamento das tracks do espetáculo “Das Paredes”, direção de Letícia Coura, em suas diferentes apresentações desde 2021. Aos poucos, vamos subindo as faixas até compor o álbum completo. Siga também nossa página no Instagram para saber das próximas apresentações.
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Seminais Tecnizados




Realizados no Teatro Oficina, dentro dos Seminais Tecnizados da Universidade Antropófaga. Vídeo-aulas contemplada pelo PROAC DIRETO Nº 39/2021 – FOMENTO DIRETO A PROFISSIONAIS DO SETOR CULTURAL E CRIATIVO
A TV UZYNA apresenta três videoaulas de uma vez já disponíveis no nosso canal do YouTube – vídeos mais abaixo, continue lendo.
1. NAS ALTURAS DO TEATRO OFICINA
Cida Melo, camareira do Teatro Oficina desde 1999 até hoje, participou neste período de todas as montagens da Companhia. Responsável pelo enorme acervo de figurinos do Oficina, Cida fala aqui de seu trabalho no teatro, desde a organização dos figurinos de cada montagem, conservação, manutenção, organização da lavanderia, até sua relação com atores e atrizes durante as temporadas dos espetáculos. E ainda vamos conhecer melhor essa personagem vital para o teatro em seu canto de trabalho: Nas Alturas do Oficina.
2. O SAMBA NO TEATRO OFICINA
Letícia Coura e seu cavaquinho nos convidam para um passeio pela história do Teatro Oficina através do samba. Há mais de 20 anos atuando na Companhia como cantora, compositora e atriz, Letícia apresenta um breve repertório de sambas do cancioneiro do Oficina, parte dele composto – por ela e outros autores – especialmente para espetáculos como Os Sertões, Bacantes e Acordes.
3. TRADUZINDO O INTRADUZÍVEL
Maria Bitarello, tradutora do Teatro Oficina desde 2015, traduziu e operou as legendas dos espetáculos montados pela companhia até 2020. Neste breve episódio, Maria conta um pouco sobre a prática de traduzir durante os ensaios, as difíceis escolhas do tradutor-traidor, as atualizações e alterações do texto ao longo da temporada, a concisão do formato legenda e as sutilezas da operação ao vivo.
câmeras Igor Marotti
edições Kael Studart
artes Igor e Kael
Assista também à videoaula da Marília Piraju:
ARQUITETURA CÊNICA DO TEAT(R)O OFICINA projeto de Lina Bo Bardi y Edson Elito SEMINAIS TECNIZADOS #1
A arte de morrer
Um dos momentos mais importantes em “Bacantes”, na montagem do Teatro Oficina a partir do texto de Eurípedes, é o estraçalhamento do corpo de Penteu. Um ato indissociável da entrega de Penteu a seu fim. De certa forma, é a consumação da tragédia, o ato em que o antagonista compreende e aceita seu papel. A cena é violenta e bela. Desse ritual de morte, todos são convidados a participar. Primeiro, do estraçalhamento, depois, do banquete onde Penteu será comido pelas bacantes, pelos tebanos, por todos nós; o momento da festa. Assim como todos ali presentes, Penteu percebe a situação em que se encontra, reconhece o inescapável – a morte, ali, pelas mãos delas – e abre os braços. Não resiste. Recebe. E morre.
Em dezembro, antes do fim da temporada de “Bacantes”, voltei a Varanasi, na Índia – a mais importante das cidades sagradas hindus e uma das mais antigas do mundo – e me lembrei o quão insípidos são os rituais de morte em muitas culturas.
Para continuar lendo, veja a coluna no site Outras Palavras.
Rádio: Universidade Antropófaga
7 entrevistas e um vídeozinho.
Dá play.
Todas as entrevistas foram realizadas pela Segunda Dentição
do Núcleo de Comunicação da Universidade Antropófaga,
no Teatro Oficina – São Paulo, SP (2015) –
e estão disponíveis no site.
Edição e mixagem de áudio + câmera: Maria Bitarello.
Edição de vídeo: Núbia Neves.
Uzyna Oficina
Photos by Maria Bitarello
Novembro 2015 @ Teatro Oficina Uzyna Uzona
Canon AE-1, Ilford Delta 3200
Ensaios de “Mistérios Gozósos”, a partir do
“Santeiro do Mangue”, de Oswald de Andrade.
Só a tragédia salva
Toda vez que levo alguém ao Teatro Oficina pela primeira vez, decido falar um pouco sobre a diferença entre o drama e a tragédia. Teatro – no Brasil, no Ocidente, hoje e já há muitos e muitos séculos – é, quase sempre, drama. Assumo que, de partida, é isso que minha companhia daquela noite espera do espetáculo: palco, cortina, palmas e uma historinha. O drama deixou-nos – o público – mal-acostumados com essa estrutura de historinhas e avessos ao simbolismo. No cinema é a mesma coisa. Quando esses elementos narrativos lineares não estão presentes, menos pessoas têm energia pra acompanhar. Ali, na porta do Teatro Oficina, então, no coração de São Paulo, proponho uma possível interpretação ao iniciante: “Pense que estamos entrando em um filme do David Lynch”. É um alerta, uma proposta, um convite.
Embora não seja bem isso também. O Oficina mantém viva a tradição da tragédia grega, no Bairro do Bixiga, graças à dedicação incansável de pessoas apaixonadas pelo que fazem. Ali, somos convidados ao Olimpo, a comungar com os deuses. Oficina é tragédia, é rito. E a por vezes temida participação do público nas peças do grupo não se dá apenas pelo risco (ou pela sorte) de algum(a) ator/atriz te levar pro meio da cena. Nós, o público, não somos plateia. Somos o coro. Somos multidão. Nesse ponto residia uma das birras do Nietzsche com o drama, e ele a esmiuçou em seu O nascimento da tragédia (1872). Essa separação – atores vs. público – nos tirou de cena. Nos transformou em plateia. Algo bem parecido acontece diante da TV: somos espectadores, telespectadores. Essa mudança vetorial aplicada pelos romanos matou a catarse que a tragédia grega proporcionava. A experiência coletiva e espiritual que acontece num espetáculo. A vida e os afetos que são, ambos, premissas e objetivos da arte. Na tragédia, as metáforas e alegorias são reais, muito reais. Não há atuação; há encenação. E como num filme do Lynch, não somos passivos. O texto exige nossa entrega.
O Oficina volta aos clássicos e recheia-os de referências contemporâneas. Platão, Sócrates, Eurípedes, Sófocles. Esses não envelhecem. As pulsões humanas permanecem irrespondidas, daí a importância de manter a pergunta no ar. E Zé Celso, diretor e criador do Oficina, não nos deixa esquecê-las. Quem ali vai, regularmente, como eu, tenta não se deixar devorar pela loucura cotidiana e se propõe a visitar deuses e demônios interiores. Parece assustador, mas liberta mais do que apavora. Pela catarse, expurgamos e purificamos os sentimentos. Re-significando-os. Devorando-os. Como? Damos as mãos aos ditirambos de Dionísio, adentramos a orgia. Ali, temos licença poética para existir em essência carnal. Mais corpo do que mente. Dionísio é o deus-espelho que nos revela o outro lado do véu; nos leva à aceitação. “Só como fenômeno estético podem a existência e o mundo justificar-se eternamente”, é como fraseia Nietzsche naquele mesmo livro de 1872. E eu concordo.
Ali no teatro, a experiência se renova a cada vez. Não sei explicar. Todas as vezes, de novo e de novo, recebo um sopro de sanidade ali dentro. As coisas fazem sentido; passam a fazer mais sentido. Há quem diga que lá só tem maluco, e embora acusações de loucura, pra mim, sejam medalhas no peito de quem as recebe, o que de mais lúcido experimento na minha semana, no meu mês, é minha ida regular ao Teatro Oficina. Não tem nada de insano e aleatório. Na real, é um privilégio morar na cidade-sede do Oficina; ser contemporânea do Zé, para vê-lo em cena; entrar no mundo que eles criam pra nós, montagem após montagem, um passaporte rumo a uma viagem que eu não costumo fazer sozinha. Preciso dos meus parceiros da multidão, do vinho, do ebó, do coro, da catarse.
A duração das montagens às vezes assusta e afasta. Você tem que chegar lá no fim da tarde pra ver a peça e só vai sair perto da meia-noite. As durações variam. Duas, três, quatro, seis horas. Existem as peças mais curtas também, mas ando desconfiada de que essas não permitem a imersão completa e irresistível que as mais duradouras nos proporcionam, sem esforço. É como ler um romance vs. ler um conto. Têm textos, obras, cujo poder reside em nos acompanhar através do tempo. Ao contrário de um texto curto, o romance nos faz companhia durante uma jornada. Dias, semanas, meses. É uma forma de arte que nos permite mudar entre o início e o fim de sua fruição. De forma semelhante, as peças de longa duração do Oficina precisam de tudo o que ocorre ali, e nós, o público, precisamos daquele tempo para imergir e desligar-nos de verdade da vida aqui de fora. É somente após passadas algumas horas que entramos in ilo tempore, na atemporalidade dos mitos.
Só assim a catarse ocorre. Não é longo demais, é o tempo certo. E têm coisas que não devemos apressar. Não é um processo apenas narrativo, ou intelectual: é total. Como ir a um terreiro de umbanda. Como sexo. O coro é o que cria esse invólucro, essa bolha, e nos mantém ali, caóticos e coesos, naquele universo. A meu companheiro daquela noite, seja ele quem for, costumo dizer também que o mais difícil das peças do Oficina é chegar ao fim delas. Lidar com o sentimento de orfandade após os aplausos. Os atores sabem como é isso, sabem lidar com isso. Com um público que se recusa a partir, que se apega à suspensão teatral, que não quer voltar a ser abóbora. Há quem precise de toda a madrugada para voltar ao “normal”; outros, bem mais que isso. E alguns poucos, como eu, não retornam mais.
Tal como uma tragédia, o Oficina apareceu na minha vida de forma incontornável; me levou consigo e não deixa espaço pra remorso ou encanação. Sem drama. Fui atravessada por tantas vidas, vivi tantas mortes ali; não há como me separar disso. É o aprendizado que tirei dessa tragédia: o de que agora já não sei mais como era o mundo, como era eu, antes de frequentar o Oficina. Antes de viver e morrer ali. Não sei a quem, nem sei como, mas sinto que devo agradecer a alguém por isso. A gratidão que sinto me sufoca. O Zé não aceitaria esse agradecimento. No Oficina, não há estrelas nem protagonistas. Então, de tempos em tempos, encharcada de gratidão, transbordo desse sentimento. O que o Oficina faz é criar e partilhar amor, muito amor. E eu repasso-o como posso. Convido amigos a viverem comigo esses ritos – um virgem ou não de Oficina. Espalho a boa nova. E meu sentimento de gratidão vira criação. Como nesse texto. Já sem saber o que fazer com ele, pus-me a escrever.
O Oficina é um romance, dos bons, dos longos. É uma tragédia em um filme que poderia ser dirigido por David Lynch. É tudo isso junto e misturado com o que você leva pra lá consigo. Cada público compõe a receita a sua maneira. E há dias, juro, em que o tempo ali dentro para. Nesses dias, habitamos o tempo mítico. Dá pra sentir a presença do divino. E diante dele, somos todos cabras.
Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.
(João Guimarães Rosa)