Inland Empire & State of Jefferson

Scan01

Carolyn & the Volvo @ California desert, Vegas-bound (April, 2014)

Scan02

Carolyn & the Volvo @ Mojave National Reserve, California (April 2014)

Scan03

Carolyn @ Mojave National Reserve, California (April 2014)

Scan04

Crossroads @ Mojave National Reserve, California (April 2014)

Scan05

Carolyn & desert dunes @ Mojave National Reserve, California (April 2014)

Scan06

Mojave National Reserve, California (April 2014)

Scan07

Roy’s Motel, full vacancy @ Inland Empire, California (April 2014)

Scan08

US Post Office @ Inland Empire, California (April 2014)

Scan09

Carolyn & man @ Oasis & San Andreas’ Fault @ Inland Empire, California (April 2014)

Scan10

Super-furry Palm Trees @ Oasis & San Andreas’ Fault @ Inland Empire, California (April 2014)

Scan11

Surfaced water @ Oasis & San Andreas’ Fault @ Inland Empire, California (April 2014)

Scan12

Sun and shade @ Oasis & San Andreas’ Fault @ Inland Empire, California (April 2014)

Scan13

Carolyn kale gardening in Los Feliz, California (April 2014)

Scan14

Chris’ Crash Pad, Ruch, Oregon (April 2014)

Scan15

Chris’ Crash Pad, Ruch, Oregon (April 2014)

Scan16

Chris’ Crash Pad, Ruch, Oregon (April 2014)

Scan17

The Oak Tree @ Chris’ Crash Pad, Ruch, Oregon (April 2014)

Scan18

Easter reenactment @ Jacksonville, Oregon (April 2014)

Scan19

Writers Chris & Anna @ Jacksonville, Oregon (April 2014)

Scan20

Jacksonville, Oregon (April 2014)

O cheiro das baleias

No final do feriado, voltando para São Paulo de ônibus, vi muitas queimadas na beira da estrada. Uma atrás da outra. Algumas erráticas, como é da natureza do fogo que se alastra; outras ordenadas, desenhando linhas que entregam a intenção por trás daquele ato de devastação. Por vezes sentimos o calor das labaredas; ouvimos seus estalos. O fogo dá medo e fascina. Não dá pra saber quando ele já ultrapassou o ponto de controle e quando ainda dá pra evitar uma catástrofe.

Olhando pela janela do ônibus na madrugada, fui levada, sem meu consentimento, à Califórnia, onde as temporadas de queimadas costumam durar uma boa parte do verão. O fogo se alastra por hectares e pelas semanas.  Morei em Los Angeles, mas de lá não via o fogo, somente seu rastro. Fuligem. A poeira cinza sobre os carros. O ar turvo, irrespirável. O calor não arrefece à noite, e as madrugadas de 35˚C acontecem mais de uma vez. Não há umidade, a garganta seca, os olhos irritam. O mundo parece arder sob o céu, e o pôr-do-sol neste inferno é de uma beleza marciana: de trás das nuvens espessas, o Sol, vermelho, incandescente. Seu contorno circular através do filtro de fumaça é nítido como se fosse feito a pinceladas.

No verão de 2008, viajei para São Francisco de carro pela PCH – Pacific Coast Highway, ou simplesmente Highway 1. A paisagem muda gradualmente do deserto angelino para a umidade enevoada da baía. Entre eles, vinícolas, litoral e as colinas amareladas de San Luis Obispo, entremeadas por bosques de um verde mais intenso. Da estrada, vê-se o castelo de William Randolph Hearst, o magnata das comunicações americanas, inspiração para “Cidadão Kane” de Orson Welles. O caminho pela costa contorna a barriga litorânea que se insinua sobre o Pacífico. Ali no meio, estreita e tortuosa, a estrada se espreme em uma beleza só sua, tão distinta da que vemos nos trópicos.

Com a proximidade de Big Sur, surgem rochas monumentais nas praias. No som do carro, Beatles. Do outro lado da pista, a borda de Los Padres National Forest. As queimadas corriam paralelas, pelo interior do parque, longe do meu olhar, mas pintando o céu de laranja, num entardecer que eu insisto em não esquecer. O calor era abrasivo. E o caminho foi interrompido. Sem forma de prosseguir ou contornar, só pude voltar atrás. Mais de 200 km até a última parada avistada. Cheguei junto com os últimos raios de Sol daquele dia de junho, os mesmos que confundem motoristas no lusco-fusco.

O frentista se orgulhou ao encher o tanque do meu carro com “a gasolina mais cara da América”, foram suas palavras. Atrás dele, um restaurante e uma pousada, simpáticos embora ordinários, davam o tom de raridade daquela parada: preços exorbitantes. Não havia muita gente passando por ali. Não era rota pra lugar algum. E passei uma noite no quarto, lá no alto, empoleirado sobre o restaurante. Abaixo deles, a estrada, e logo o Pacífico, ao infinito. Cada um a poucos metros do seguinte. Whale Watchers Café, dizia a placa. Nas épocas certas do ano, os turistas mais informados que eu sabiam que aquele era um ponto privilegiado para observação da migração sazonal de baleias.

Senti-me afortunada. Queria chegar a Big Sur, conhecer mais um lugar por onde passou Jack Kerouac. Mas no meio do caminho havia fogo e baleias. Nem liguei de não ser temporada de migração, só de queimadas mesmo. Já estava ali, senti que ali deveria estar. Da minha janela, olhei o mar durante a noite, e na manhã seguinte contornei a floresta, por Paso Robles, antes de voltar a rumar norte. Nunca mais ouvi falar desse lugar. Nunca mais paguei US$ 6 pelo galão de gasolina.

Cada um tem a madeleine que merece. Para Proust, foi o bolinho que o transportou à infância. Para Hearst, o cidadão Kane, foi o trenó, rosebud. “The more you remember something, the less accurate the memory becomes (…) If you prevent the memory from changing, it ceases to exist” (Quanto mais você recorda, menos precisa se torna a memória (…) Se você impedir a mudança de uma lembrança, ela deixa de existir), li esses dias no livro de Jonah Lehrer, “Proust foi um neurocientista”.

Aquela foi a mais bela viagem de carro que já fiz. Ou então é minha memória, danada, que me prega peças. Que não me corta quando embelezo certos pontos e omito outros. Que me deixa mentir, criar, inventar. Lembranças são sorrateiras, nos tomam de assalto. Às vezes, até com cheiro de madeira queimada. Outras com “Two of us”, dos Beatles. “You and I have memories, longer than the road that stretches out ahead” (Eu e você temos memórias mais longas que a estrada que se estende à nossa frente). Numa travessia à beira mar em que deu tempo de retroceder e contornar as chamas, estranhamente, eu andava para frente. E não andava só.

Vista do Whale Watchers Café na Pacific Coast Highway – Califórnia, Estados Unidos, by Fábio Nascimento

Diga-me com quem, em que e que horas andas em Los Angeles (2008)

Ford Impala @ Topanga Canyon
(by Fábio Nascimento)

Uma vez vi o sociólogo Roberto da Matta falando sobre a sociologia por trás do comportamento dos motoristas. Ele falava da nossa agressividade no volante, do sentimento de poder dentro daquela máquina blindada, de como só brasileiro mesmo que acelera o carro quando vê um sinal amarelo e um pedestre ameaçando pisar a faixa listrada. Achei a analogia muito boa e, quando saí dali, passei imediatamente a reparar no meu comportamento, e no dos demais, quando dentro de nossos veículos. E isso ficou comigo.

Agora vivo em Los Angeles, onde as leis de trânsito são semelhantes, mas o pathos por trás da analogia de Roberto da Matta é completamente diferente. Diga-me com quem andas que eu te direi quem és, assim segue o ditado. Em dialeto “angeleno” (o habitante de Los Angeles), adaptamos para diga-me em que andas que eu te direi quem és. Em pouco tempo aqui, me lembrei também da observação do personagem interpretado por Don Cheadle do filme “Crash”, de Paul Haggis e vencedor do Oscar, sobre o transporte público: os ônibus, à noite, andam com as luzes internas acesas, segundo o cara do filme, para humilhar quem anda dentro e expor o negro, o latino, o imigrante, o pobre, a mulher, a minoria.

Na época, embora conhecesse bem a segregação racial nos Estados Unidos, achei curioso. Os países europeus se orgulham de seus sistemas de transportes públicos. Não ter um carro em Londres ou Paris não é uma vergonha, é um luxo. Significa que você vive em uma cidade onde o serviço de transportes tem qualidade, segurança e cobertura. Você não se preocupa com seguro do carro, estacionamento, dirigir embriagado, manutenção – que libertação. O Brasil se diz apaixonado por carros, mas também tem seu pé europeu: na hora de alugar um imóvel, pesa muito a distância da estação de metrô ou do ponto de ônibus.

À exceção de Nova York, os Estados Unidos são uma terra de carros. A cultura automobilística é fortíssima. Mas nunca havia visto nada parecido com Los Angeles. Para começar, o metrô é uma piada, pior que o do Rio antes de ser expandido. E Los Angeles, me permito a comparação, é tipo Brasília. Um lugar visivelmente diferente do resto do país e que divide as opiniões com veemência: os que amam e os que detestam. E os carros têm papel importantíssimo nessas reações.

Com freqüência os amigos do Brasil me perguntam se moro perto da praia. Normal, afinal faz parte do imaginário da cidade das estrelas: Malibu, “Garota eu vou para a Califórnia”, e por aí vai. Respondo com dúvida. Em termos brasileiros, estou longe, pelo menos 20 minutos de carro (sem trânsito), nem sei calcular a que distância a pé. Em escala americana/angelena, vivo à beira mar. Para entender, olhe um mapa da área metropolitana da cidade e veja sua extensão. Uma linha imaginária divide a cidade em Leste e Oeste, assunto para outra coluna, e como habitante do Oeste, sou, para eles, da praia.

Os 20 minutos a que me referi acima são muito interessantes. Por aqui ouvimos muito que quaisquer dois pontos de Los Angeles estão a 20 minutos de distância entre si (sem trânsito). O que é verdade, pois com as super freeways construídas sobre a cidade, você potencialmente voaria de uma extremidade à outra. Mas a gente sempre coloca essa informação no final, sem trânsito entre parêntesis, como se ela fosse um detalhe. Até parece. É a regra, praticamente um toque de recolher! Com ou sem previsão, esses 20 minutos podem virar duas horas e definem mais seu comportamento aqui do que seu dinheiro, sua raça, sua classe social. Pobres e ricos, Britney Spears, Angelina Jolie e eu, somos todas reféns do trânsito. Diga-me a que horas andas que eu te direi quem és. Por que acha que Lindsay Lohan só é pega de madrugada voando acima do limite de velocidade em sua caminhonete? Voar de dia, só de avião ou helicóptero.

Algumas dessas dicas são leis. Idas ao cinema são marcadas com semanas de antecedência, nunca sai-se de casa sem uma breve pesquisa no Google Maps se você não tiver um GPS, só para ter certeza de que sabemos onde vamos e de que se chega a algum lugar naquela hora, e nunca programe mais de uma coisa no mesmo dia. Das 6h às 9h, engarrafamento. Sem dúvida, em todas as direções. Uma breve janela de horinhas nos deixa vislumbrar como seria lindo se o fluxo de carros fosse 15 vezes menor. Às 14h, 14h30, complica de novo. Daí vai até umas 19h. Sexta-feira: trânsito o dia inteiro, ainda não entendi porque. Sábado e Domingo, formigueiro humano no sentido da praia e um maravilhoso deserto no restante.

Já dizia Caetano que cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Uma conhecida uma vez me apontou que o maior orgulho do angeleno é a Interstate 405, a San Diego Freeway, que corta a cidade de Norte a Sul, perto do mar. Muitas outras cortam a cidade além da 405: a 10 (Santa Monica), a 110 (Harbor), a 101 (Hollywood), para citar as mais centrais. São a padaria da esquina. As vemos todos os dias, são nossas referências e as apontamos com orgulho ao visitante: “olha a 405!”. Encucado, com certeza, o coitado se pergunta “e daí?”. Eu também me fazia essa pergunta quando cheguei aqui, mas, lentamente, sem me dar conta, a 405 foi virando para mim o que é para eles: nossa maior dor e estranhamente nossa secreta delícia. Nesta terra de bens descartáveis e de beleza arquitetônica escondida, as freeways são o maior símbolo da vontade humana que transformou um deserto sem rios em cidade. Mais que a praia ou Hollywood, o angelino se orgulha de suas estradas. E só o tempo ajuda a entender.

De céus e discos voadores… (nov.2008)

“London, London” é uma das minhas músicas favoritas. Caetano a escreveu do exílio e, no refrão, confessa: “while my eyes go looking for flying saucers in the sky”. Nunca havia me perguntado se meu apreço por essa música teria relação com essa frase, mas suspeito que sim. Sou super fã de céus. Céus, no plural, pois existe mais de um. Pode me perguntar que lembro do céu de quase todos os lugares por onde já passei: terei quase sempre alguma observação sobre a tampa azul ou cinza daquele ponto do planeta.

Não sei ao certo quando começou isso. Teria que perguntar a meus pais. Mas, definitivamente, Los Angeles foi um marco. Quando da minha primeira vez nesta cidade, não pude me conter. Estava transbordando de céu. De azul. Onde já se viu uma capital com milhões e milhões de pessoas onde o horizonte é vasto e tridimensional? Me encantei. Existe uma explicação razoável. LA é terra de terremotos. A área aqui é vasta, como o céu, por culpa das construções que, salvo raras exceções (como Downtown, Westwood e Century City), são baixas, com até três andares. Um suplício para o deslocamento sem metro, mas um elixir para os olhos.

O prazer começa cedo. Na beirada do mundo ocidental, o sul da Califórnia tem uma incidência solar elevadíssima (eu diria que tem mais de 300 dias de sol absoluto por ano, baseado em minha experiência aqui), e o dia começa bem cedo. O Sol da manhã, embora não seja meu favorito, é uma característica não só marcante, mas apaixonante da cidade. Ficamos todos viciados nessa fotossíntese perene. Confesso que não é dos melhores cenários para quem precisa trabalhar. Da janela do escritório, aquele azul sem falhas, sem nuvens, sem diferença de tonalidades: simplesmente azul. Da cadeira diante do computador, você pede para estar fazendo qualquer outra coisa que estar ali sentado, ao menos ir lá fora absorver um pouco daquela vitamina que vem com os raios ultravioletas.

Muita gente de outras partes do país acha os angelenos muito praianos, pouco atrelados ao trabalho. De minha perspectiva, sempre vou achá-los trabalhadores, inclusive por causa do tempo maravilhoso, ao qual a maioria resiste bravamente. LA é também terra de esportes. E o melhor de tudo: sem suor, pois a umidade relativa do ar daqui faz de Brasília uma sauna amazônica. Não cai uma gota por aqui desde fevereiro. Juro. Por isso mesmo, tem sempre um correndo, jogando um freesbee, passeando com o cachorro ou simplesmente deitado na grama, absorvendo energia solar. Esta história da umidade, aliás, dizem que tem a ver com a qualidade do céu.

No Griffith Observatory, um prédio lindo da década de 30 onde funciona o observatório celeste daqui, ouvi dizer que a ausência de bolsões de umidade e também de nuvens deixa a observação dos astros mais clara. Realmente, LA não tem condensação, e o ar fica mais fino, atrapalhando a visão somente a poluição amarelada que se deposita entre o céu e a Terra, lá na linha do horizonte, emoldurando esta obra de arte. “Céu de Brasília/Traço do arquiteto”, não é o que canta Djavan? Outro dia, de passagem pelo observatório em uma noite especialmente quente, um pôr-do-sol especialmente especial deixou quem lá esteve boquiaberto. As luzes da cidade, a poluição, o contorno de Hollywood Hills contra a parte baixa do céu onde ainda havia uma luz avermelhada, o degradé lilás que introduz o azul, e onde víamos, a olho nu, Vênus, agraciando-nos com sua presença. Foi lindo.

O pôr-do-sol e a noite são meus horários favoritos. Primeiramente, o Sol se põe no mar. Isso, em si, já é singular e cinematográfico. Em segundo lugar, neste momento, se você dá as costas ao Oceano Pacífico e se vira para a costa, a vegetação rara das colinas em processo de dunificação revela porções arenosas onde o Sol, incidindo diretamente, brilha como ouro. Não estou exagerando. Se estiver longe do mar, tudo bem também. O contorno das colinas no horizonte em escurecimento são tão notórios daqui que ilustram a abertura da 20th Century Fox, já repararam? Outro dia mesmo vi a lua em formato DreamWorks, minguante, na altura das folhas de uma palmeira, que por sua vez parecia apoiada no alto da rua que subia. Câmeras não conseguem registrar essas belezas. Quando vira noite então, o momento é ainda mais efêmero e fugidio. O melhor céu de LA.

Não é preto, escuro, como reparo ser na maioria dos lugares do Brasil (mesmo em noite de lua cheia). Também não é como os que vi recentemente no interior da França (nem por isso menos belos), onde a luz da Lua parece uma anunciação divina que se recusa a esconder-se por trás das nuvens e que está vindo levar a todos nós. Não é assim. É claro, muito claro. Quase de dia. É meio lilás. Independente da Lua. Nem sempre vemos estrelas, mas sempre vemos muitos aviões, descendo num balé espiralizado, aguardando o momento de tocar a pista do LAX (Los Angeles International Airport). Cartão postal. Do alto das freeways, em uma cidade horizontalizada, estamos de repente como que no alto de um farol, e de lá temos visão privilegiada das palmeiras – tantas – que se impõem acima dos telhados. Suas silhuetas mais bem-definidas à noite que de dia, deixando seu traçado no céu claro e uniforme.

E tem sempre os céus de incêndio, que nesta época do ano pipocam em momentos diferentes. Meio sádico isso da minha parte, mas adoro o céu em temporada de incêndios, mesmo sabendo que vários estão perdendo suas casas e que a temperatura chega a manter-se acima dos 30 graus celsius mesmo depois das 22h. Compreendo, também, que tudo isso que descrevo são paisagens extremamente urbanas – aviões aterrissando, etc. – e que talvez pareça uma louca sem padrão estético que esta há tanto tempo sem ir ao campo que já se esqueceu do que é o céu do interior. Não é isso. Adoro o céu rural também, mas considero na verdade uma aptidão que desenvolvi: encontrar beleza no concreto, no urbano, no cotidiano. Tente você também.

Até vir para Los Angeles, sempre achei um exagero essa história de escolher onde viver a partir do clima. Para quem já morou na neve de Denver, no vento de Washington D.C. ou no reino de Mordor de Juiz de Fora, onde a nuvem cinza é perene, isso tudo me parecia frescura demais. Mas existe a razão histórica do desenvolvimento dessa cidade que não me deixa mentir. Até a vinda dos estúdios de cinema para a Califórnia, na década de 20, Los Angeles era mais uma parte de um enorme deserto mexicano. Os estúdios, por sua vez, vieram por causa do clima. Porque não chove. Porque é sempre perfeito para filmar. Porque é lindo. Porque milhões de pessoas também se convenceram. Eu mudei. O céu me mudou.

Desconfio que quem não presta atenção no céu não anda nada bem. É grande demais para passar despercebido. É só se distrair um pouco do próprio umbigo. Não perdôo nem mesmo os habitantes de São Paulo, onde até os pequenos quadriláteros de nuvem visíveis escondem instantes de epifania estética. Mas é verdade que poucas vezes encontrei pela vida quem me acompanhasse nesse esporte e paixão de observar o céu. O primeiro foi o amigo mais jovem que tenho. Com quase 23 anos de diferença, descobrimos que sem um repertório comum (eu falava português e ele uma língua solitária de balbucias silábicas) o jeito era olhar a Lua. Ao me ver, logo estendia a mãozinha em direção à janela, e lá ficávamos.

Só encontrei mais uma pessoa assim, agora da mesma geração. Por telefone, me perguntava como estava a Lua 500km ao sul, distancia que nos separava. Alma gêmea. Há, portanto, além de Caetano e mim, ao menos mais duas pessoas “looking for flying saucers in the sky”. Mando aviso quando os encontrar.

Image

LA sky (by Fábio Nascimento)