“O tempo das coisas”: lançamento em JF e SP

Quando você vai preparar um chá, tem o tempo de fervura da água, o momento da infusão, a espera pelo resfriamento e só então a ingestão da bebida. Não dá pra mudar a ordem dos fatores nem o tempo que cada um deles demanda. A água só vai ferver a 100 graus C, a erva precisa de alguns minutinhos na água quente pra ser infundida e se você não esperar esfriar vai queimar a língua. As coisas têm seu tempo. E embora os tempos hoje sejam de afobação, o chá ainda toma o tempo que toma pra ficar pronto. E tudo indica que vai continuar sendo assim. Saber disso, no corpo e na alma, é o que eu chamo de sabedoria.

 

Reflexões sobre o tempo são sempre bem-vindas. E também sobre a vida, cujas melhores coisas não são as coisas, propriamente ditas. A tecnologia, a correria, os olhos no relógio, os ouvidos tapados por fones nos isolam de um convívio mais próximo com o outro e de um olhar mais apurado. Não há tempo para parar, olhar e sentir.

Esse tempo que nos falta, no entanto, Maria Bitarello, felizmente o tem. Fabricou-o, optou por ele, priorizou-o e o fez virar livro, para o nosso deleite e transformação. Sim, porque será impossível não sair ao menos minimamente transformado da leitura de O tempo das coisas, sua segunda coletânea de crônicas e primeira a ser lançada pela In Media Res Editora.

São 28 textos que falam de situações banais, cotidianas e de como elas ganham importância quando recebem a devida atenção.

É impecável a reflexão da autora sobre a vida noturna, considerada por ela um ritual de iniciação à vida. E sua percepção sobre o quanto um dedo mindinho quebrado pode atrapalhar nossa rotina numa proporção inimaginável, ao mesmo tempo em que o desprender-se das coisas pode tornar nossos dias bem mais leves.

Numa parada para olhar o entorno, Maria vê que há tanta riqueza filosófica nos escritos de Nietzsche quanto na moradora de rua que se banha na Av. Paulista. E que fotografar, comer o que se quer e resistir ao uso desenfreado dos smartphones podem ser ações libertadoras. Há o envelhecimento, o aborto e a morte vistos e falados com seriedade e serenidade. E o tempo, o grande tesouro dos nossos dias. O tempo que não pode ser abreviado por ser necessário, por significar processo. O tempo da fervura da água e da infusão do chá. O tempo da parada, do olhar, da escrita e da leitura com que Maria generosamente nos brinda.

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Maria Bitarello é mineira. Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e mestre em Literatura Luso-Brasileira pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), cresceu entre o Brasil e os Estados Unidos e viveu em Paris antes de se estabelecer em São Paulo, em 2012. É escritora, tradutora e jornalista e, desde 2015, trabalha no Teatro Oficina.

 

Ilustração da capa: Praça Roosevelt, by Letícia Coura

“Só sei que foi assim”, save the date: 31/7/14

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Olá!

é com um misto de satisfação, alívio e esperança que envio a todos – por enquanto – apenas o save the date para o lançamento de meu primeiro livro:

Só Sei Que Foi Assim.

Reservem esta data e planeje para, se possível, estarem em Juiz de Fora, MG onde será a celebração.

31 de julho de 2014
às 19h30, no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas

Por favor, compartilhem livremente este save the date com quem e da forma que desejarem! Facebook, twitter, email, correios, manifestação pública, meditação transcendental, fofoca ou tatuagem. Toda forma de comunicação vale a pena!

Como eu não sou ativa em nenhuma rede social, dependo de vocês para me ajudarem a divulgar!

Ainda falta um tempinho, mas para quem terá que se deslocar até Minas Gerais para o lançamento, como eu mesma, é bom um pouquinho de antecedência.

Espero ver vocês, suas famílias e seus amigos lá!

Um beijo agradecido,

Maria Bitarello

Arnaldo e Rita

 

 

 

 

Já faz uns anos, tive um sonho com a Rita Lee. Minha memória de sonhos é ruim, e só tenho fragmentos. Mas recordo-me de encontrar a cantora na fila de um banheiro, em 1963, num show de Jorge Benjor. Era o lançamento do “Samba Esquema Novo”. Ela ainda era loirinha, sardenta, menina. Eu a reconhecia e me precipitava em sua direção. Não me lembro se ela me conhecia ou não, acho que não. Eu lhe disse, na fila do banheiro, que embora ainda não soubesse, ela seria integrante de uma das bandas mais importantes e incríveis do mundo, ao menos do meu. Que eles tocariam em toda parte, que eles revolucionariam o rock nacional e que dali a alguns anos eles gravariam a música que o Jorge Benjor estava tocando lá fora: “Minha menina”. O álbum de ‘63 é o meu favorito do cantor. E a primeira fase d’Os Mutantes, de 1967, com Ritinha de noivinha, é sem dúvida a que eu acho melhor.

 

Fim de ano me lembrei deles. A Rita faz aniversário dia 31 de dezembro. E nesse mesmo dia, no ano de 1982, Arnaldo Baptista, seu ex-marido e ex-parceiro musical, tentou acabar com a própria vida, sem sucesso. Eu tinha um mês de vida, e nos cruzamos no meio do caminho. Foi um começo para nós dois.

 

Arnaldo teve uma sobrevivência miraculosa. Um momento em que vida não só falou mais alto; ela gritou. Foi uma aposta. E ele foi parar em Juiz de Fora uns anos depois do incidente. Ele e sua “menina”, Lucinha Barbosa, sua companheira há 30 anos. E lá, em minha cidade natal, o velho mutante é figura não raro avistada. No cinema. Em exposições. Caminhando em parques. Vive num sítio perto da casa da minha mãe. Seus quadros são expostos na cidade; suas camisetas, pintadas à mão, vendidas localmente. Eu hoje vivo na cidade natal do Arnaldo, São Paulo, mas só o vejo na terrinha mineira. Nosso ponto de encontro habitual é a praça do bairro, onde nós dois temos uma preferência por caminhar. Ele e sua menina estão sempre lá, sempre juntos. Às vezes nos falamos, nós três.

 

Em 2007, o vi em cena pela primeira e última vez. Foi no show d’Os Mutantes, no Rio, que cobri para o jornal local no qual trabalhava na época. Da plateia, um coro de dez ou vinte de nós, mineiros, gritava “graminha, graminha, graminha”, que não é um viva à maconha, mas o nome do bairro onde ele reside em Juiz de Fora. Ele sorriu como criança. E nós também. Tive a oportunidade de entrevistá-lo, tiramos fotos juntos. Ganhei uma camiseta.

 

Fantasio que meu sonho foi uma forma de intervenção no curso dos acontecimentos. Se eu não tivesse contado à Rita – na fila daquele banheiro onírico, 19 anos antes do meu nascimento – que eles gravariam “Minha menina”, do Benjor, será que eles teriam ainda assim gravado a canção? Será que nos anos 2000 minha banda mineira, duplodeck, faria um cover dessa música – cover, por sua vez, inspirado pela apresentação do Belle and Sebastian no extinto Free Jazz Festival, de 2001, já que a banda escocesa também fez sua versão da baladinha distorcida? Será que o Arnaldo chamaria a Lucinha de “minha menina”, como o faz, carinhosamente? Será? Menina ou não menina? Eis a questão. Por que será que foi esse meu único comentário feito à Rita Lee na fila daquele banheiro sessentista? Não tenho as respostas.

 

Se Arnaldo não tivesse quase morrido em 1982, quando eu nasci, talvez ele já não estivesse mais entre nós. Sua quase morte foi um recomeço. Quando penso no Arnaldo e na Rita, nesse amor e nessa arte – e também na dor e na ruptura –, quem me vem à mente é Lucinha. A menina. Talvez a mesma da música do Benjor.

 

Talvez fosse ela a menina do sonho sobre a qual eu falava à Rita no banheiro do show.

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Arnaldo Baptista e Maria Bitarello @ vernissage no Janelas Verdes, Juiz de Fora-MG, Brasil – janeiro de 2006

Saudades do Aeroporto da Serrinha

Adoro turbulências durante o voo. O trepidar lembra um ônibus da Cometa e aumenta minhas chances de adormecer a bordo. Já que voar é entediante e incômodo, aceito todas as formas de torná-lo mais interessante. Ali onde uns sentem medo, eu sinto presença de vida. Que venham as turbulências. E em meu histórico aeronáutico, o voo mais interessante que já tomei foi o Paris-Cotonou, no Benim, com escala em Trípoli, na Líbia, pela Afriqiyah Airways. Não pelas turbulências. Os comissários de bordo fumavam ao lado do banheiro, durante o voo, por exemplo. Os passageiros também fumavam, ao desembarque, antes mesmo de deixarmos aquele tubo que conecta a aeronave ao prédio. No Aeroporto Internacional de Cotonou, o desembarque acontece na pista, e as malas são levadas, lado a lado conosco, até o saguão interno, onde são manualmente colocadas sobre a esteira. Um lugar onde ainda sobra espaço para a acomodação e acordo pessoal.

Para entrar no país, o governo do Benim pede um visto e a cartela de vacinação carimbada no campo “febre amarela”, e eu tinha ambos. Mas, que mancada, esqueci a cartela em Paris e avisei ao oficial de saúde que veio pedi-la, vestido com um jaleco branco, semiaberto, sem camiseta por baixo, e com uma máscara de cirurgião em volta do pescoço. Ele me levou até uma salinha e fechou a porta. “Quando vencia a vacina?”, perguntou, sentando-se à mesa vazia. “Ano que vem”, me expliquei, “tomei faz quase dez anos, mas ainda está valendo.” Ele dispensou meu comentário e seguiu com outra pergunta naquele simpático francês com sotaque africano. “Era só contra febre amarela?”. “Era”, respondi. Ele acenou com a cabeça para a cadeira ao lado, onde me sentei, e tirou uma cartela novinha da gaveta. Preencheu-a com os dados do meu passaporte, carimbou-a com o selo oficial do Ministério da Saúde local e me pediu 10 euros. Eu paguei.

Este prólogo foi só pra contextualizar minha memória desse voo e desse aeroporto, porque pensei neles na semana passada quando cheguei em Juiz de Fora, Minas Gerais, de avião. Foi a primeira vez na vida que aterrissei no Aeroporto da Serrinha, ou Francisco Álvares de Assis, até recentemente o único da minha cidade natal. Foi também meu primeiro voo num avião com asas acima das janelas, desses que vemos em filmes com Humphrey Bogart e Audrey Hepburn. Muito estáveis, aliás.  O Aeroporto da Serrinha é uma simpatia. É tão pequeno que faz pouco separaram a área de embarque da de desembarque. Os funcionários do check-in são os mesmo que buscam nossas malas no avião e alguns amigos meus viraram pilotos treinados ali, no aeroclube.

Quando eu era criança, frequentava o restaurante anexo com minha família por causa do parquinho. Isso antes de eu andar num avião na vida. Uma grade móvel, dessas que vemos na frente de palcos de shows em exposições agropecuárias, separava o parquinho da pista de pouso.  E os voos panorâmicos de teco-teco até hoje são uma opção legal para os amigos que visitam pela primeira vez a região, pois de cima vemos o mar de morros que abraça a cidade e se estende ao horizonte. É bonito.

O voo do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, ao Aeroporto da Serrinha foi lindo. Gostei muito. Foi só na manhã seguinte que fiquei sabendo do acidente que matou oito pessoas ali ao lado. Conheço muitas pessoas que vivem na região. Meu próprio avô deixou terrenos de herança aos quatro filhos, dentre eles minha mãe, logo depois do morro, da colina, onde fica a curta pista de pouso do Serrinha. O local é famoso pela serração baixa e pela má visibilidade, e o pequeno avião nem atingiu a pista, caindo dentro da pousada da família de um amigo meu, local que eu frequentei, semanalmente, por algum tempo. Nossa banda, duplodeck, ensaiava ali, num quartinho anexo à pousada, todos os sábados à tarde. Os aviões que passavam rasantes para pousar eram frequentes, e a vibração que provocavam era, por vezes, grande. A quadra de futebol era ponto de encontro dos “caras” da faculdade terças à noite e o caramanchão, a 200m da curta pista e arrancado do chão pelo bimotor acidentado, foi altar de casamentos de amigos.

O acidente me deixou pensando nessas coincidências e nas minhas memórias associadas ao Aeroporto da Serrinha quando decolei, dois dias depois, de volta para São Paulo. É um daqueles lugares onde o “sistemão” do mundo ainda não chegou direito. Existe um elemento orgânico, onde o caso-a-caso ainda impera e que, pensado dentro de nosso cotidiano corporativizado, faz dele um oásis de bom senso, como o voo da Afriqiyah Airways para o Benim. Onde ainda vemos os indivíduos e as exceções cabem na regra.

Lembrei dos amigos pilotos, voos panorâmicos, ensaios ao som de decolagem, parquinho com minha irmã e, sobretudo, na fotografia que tirei ali no meio da pista, aos 7 anos quase completos, ao lado do então candidato à presidência da república, Luiz Inácio Lula da Silva, em novembro de 1989. Essa fotografia ainda decora a casa da minha família e a dos pais de uma amiga de infância: nela, nós duas, penduradas no pescoço do ex-presidente. Ela está ao lado de outra, também tirada ali, agora em setembro de 1998, quando nós duas compactuamos com os seguranças do aeroporto e líderes do PT, que tentavam evitar que a multidão de eleitores invadissem o pequeno saguão. Atravessamos a brecha na porta e na vida e nos precipitamos em meio aos flashs dos fotojornalistas, onde empunhamos a foto de 1989, a marca própria da passagem do tempo, e ladeamos o candidato Lula, à espera dos cliques. Demorou mas conseguimos cópias da foto que saiu, enorme, no Estado de Minas.

Quatorze anos depois deste dia, Lula já teve dois mandatos e não é mais presidente; os integrantes da banda que tocava todos os sábados se espalharam por aí e agora se reúnem de vez em quando para brincar num estúdio mais equipado e no mesmo local; o parquinho, acho que não existe mais, embora as grades tenham melhorado; e a foto emoldurada daquela amizade de infância e adolescência fala de uma saudade que não passa.

Têm dias que são assim. De sossego na turbulência.

(Acervo pessoal)