Bate-papo sobre meu último livro, “Vermelho-terra”, a convite da Biblioteca Comunitária Caio Fernando Abreu, da Casa 1 – o centro de cultura e acolhimento de pessoas LGBT, no Bixiga, em São Paulo (2021). É só clicar pra dar play ou abrir aqui pelo perfil da @casa1 no Instagram.
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Mulheres da ocupação
Mulheres da ocupação do MTST na Av. Paulista
– São Paulo/SP – Brasil (Fevereiro/2017).
Canon AE-1 / Kodak Portra 400
by Maria Bitarello
Literatura é coisa de mulher
Em português, existem as palavras embaixadora e embaixatriz. São distintas. Embaixadora é o feminino de embaixador, ou seja, uma mulher que representa seu país em outro país, uma diplomata do escalão mais alto. Embaixatriz é o nome dado à mulher do embaixador. A primeira-dama, digamos assim. Aliás, bem assim mesmo. Tanto embaixatriz quanto primeira-dama são termos sem equivalente referência masculina. Que eu saiba, não existe um nome pro marido da embaixadora nem pro da presidenta. Chama-se essa pessoa por seu nome próprio. Afinal, não se trata de um título de nobreza transferível via casamento.
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Uma mulher, Dot Fisher-Smith
Semana passada fui à ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) na Av. Paulista e fotografei algumas mulheres dali, uma ideia que venho trabalhando (falei sobre isso nesse texto). Uma delas, que não quis ter sua foto tirada, me perguntou porque eu só fotografava mulheres. Respondi que os homens já ocupam muito espaço, em todas as esferas. Ela esboçou um princípio de sorriso, triste. “É. Quem toca a vida são as mulheres mesmo”. Concordei com a cabeça e imediatamente lembrei-me do que me disseram certa vez: “você só pode ter sido criada por um matriarcado. Tem uma força aí que é do feminino”.
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Fotografando mulheres
“Fotografar mulheres é diferente de fotografar homens?” Meu amigo indiano me perguntou isso ao ver essa série de fotos que fiz em Varanasi, na Índia, em dezembro passado. “Sim”, respondi, “assim como é diferente fotografar – mulheres ou homens – na Índia, no Brasil, no Benim”. Em minha mais recente viagem à Ásia, decidi lançar a mim mesma o desafio de fotografar apenas mulheres. Foi um desafio e tanto. Cheguei a pensar em desistir. E por isso mesmo a pergunta do meu amigo indiano (e fotógrafo), sem que ele soubesse, foi tão pertinente. Porque, sim, é muitíssimo diferente fotografar mulheres e homens na Índia.
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Women by the water
Dashashwamedh Ghat, Vanarasi, India
December 2016 | Photos by Maria Bitarello
Canon AE-1 / Retro Chrome 320 (positive/expired)
A consciência branca
Leis demarcam uma conquista. Reinados e impérios, quando ocupam um território, primeiro deixam soldados guarnecendo a fronteira. Depois distribuem as terras para serem ocupadas por seus súditos, a exemplo do que fez Portugal com suas Capitanias Hereditárias no Brasil. Em seguida, constroem templos, marcos, castelos, delineiam uma história da ocupação e criam uma narrativa de fundação. Como os espanhóis e suas catedrais erguidas sobre os templos Incas no Peru. Como os founding fathers nos EUA.
Leis são territorializações. Nos libertam de tomar decisões novas a cada situação. São uma forma de aglomerar um, dois, três casos ou mais e dizer: aqui, nestes casos, faremos sempre dessa forma. Não precisa, a cada vez, chegar num cruzamento e decidir se vai ou não vai atravessar a rua. O sinal está fechado. Haverá, de certo, infrações, o que não elimina a regra. E haverá melhorias a serem feitas, ad aeternum. O sinal amarelo, por exemplo, foi uma delas. A faixa de pedestres.
A partir do momento em que é legislada, a lei já está datada e precisa ser aprimorada. É resultado de tanto tempo de deliberação, maturação, aprovação e aplicação que é inevitável que esteja velha no momento do nascimento. Mas não é, por isso, menos importante. Sem ela não haveria essa delimitação: chegamos até aqui. É onde se troca o bastão. E dispara adiante o novo corredor, para os próximos 100m do revezamento.
O filósofo alemão Immanuel Kant tem um texto muito bonito sobre o iluminismo, ou melhor, sobre a ilustração. Ele explica que se uma grande ideia não é legislada ela não passa de uma epifania. Somente dentro de um sistema em que se possa aplicá-la a um grupo maior que o indivíduo que a elaborou ela se estrutura como iluminação. E, em seguida, é preciso que seja aceita e respeitada pelo grupo. O Estado é um tipo de grupo. Não matarás, por exemplo. É preciso que a lei valha para todos e que todos corroborem o sistema que a faz valer. Só assim é uma lei. E é de todos. E aquela epifania de um indivíduo se configura numa ilustração. Num avanço.
Em 20 de novembro, comemoramos o Dia da Consciência Negra. Abundam por aí comentários obtusos sobre as cotas. O mesmo vale para as leis que exigem respeito aos homossexuais. Num grupo pequeno há espaço para diálogo, para acomodação de todos, para o caso a caso. Digamos, na sua família, vocês podem aplicar um sistema próprio de aceitação e negociação das diferenças. Mas uma cidade é muito grande; um país tem mais gente ainda; e o mundo está lotado. Não é possível contar apenas com o bom senso. Então criamos leis. Para desenhar uma linha no chão.
Se você é homofóbico e/ou racista, verá a lei como entrave. Se é gay e/ou negro, como garantia. E, convenhamos, estabelecer algo básico como “desrespeitar alguém por diferença racial ou prática sexual é crime” não deveria gerar tanta polêmica assim. É muito primário. É respeito à vida do outro. Seus pais deveriam ter te ensinado isso em casa. Você e eu merecemos ser respeitados por nossas escolhas e práticas, e a lei vai assegurar que não sejamos demitidos, agredidos ou alienados por nossa raça, prática sexual ou gênero. Ainda assim, vão dizer por aí que cotas geram racismo. Que dão vagas dos melhores alunos aos piores alunos.
Opiniões como esta só escancaram, em alto e claríssimo som, a necessidade da lei. Racismo já existe, pessoal, ninguém está inventando isso agora. A escravidão aconteceu, não é um boato. As cotas são um passo a frente. E porque a lei é falha e sempre em construção, é preciso saber pressionar por seus avanços. Porque se ela exclui, por exemplo, os brancos de baixa renda e não elimina a urgência de se fortalecer o ensino público brasileiro, lembremo-nos que conquistas são lentas e trabalhosas. E os buracos não podem invalidar todos os acertos.
Os brancos não são maioria no mundo, como nunca o foram entre seus escravos. Mas seguem sendo os donos da bola. Donos do dinheiro. Do trono, do poder. Muitos (muitos mesmo) descendentes deste homem branco sui generis, no entanto, olham as grandes guerras na Europa e não vêm, ali, o cântico do seu povo, o cordel de sua terra. Não se vêm na escravidão. Não reconhecem sua pegada no genocídio indígena. Acham que racismo não é crime e se esquecem que muita coisa terrível nesse mundo foi feita por seu clã. E só lembrando podemos ensinar e aprender.
Não proponho, aqui, martírio nem cinismo, só consciência. De que somos brancos. Do que é ser branco. De nossa herança. Para conseguirmos nos enxergar na escravidão. Para vermos o chicote na própria mão. E para não nos esquecermos de que todo homem branco é culpado.
Um dia foi abolida a escravidão. Um dia as mulheres puderam votar. Só depois vieram, ambos, a trabalhar com os brancos e com os homens. Estão se tornando chefes. Agora podem casar-se com quem quiserem. O aborto ainda não é legal na maior parte do mundo, nem o casamento gay, e os negros ainda não têm igualdade de tratamento e direitos. Ainda tem gente que acha que homossexualidade é um defeito de fábrica; que negros e mulheres são intelectualmente inferiores. Pergunto: isso invalida as leis Áurea, do Sufrágio Universal e Rosa, lá atrás, o primeiro de tantos passos? Adiante, pessoal, adiante. Estamos escrevendo uma história nova. Passemos o bastão para frente.

Homem invisível, Posto 9, Rio de Janeiro, by Maria Bitarello